Esdras Marchezan, jornalista
Um ano depois, a família do universitário Luan Carlos Melo Barreto, de 23 anos, mantém o mesmo grito de revolta e dor: Justiça por Luan! Ele foi alvejado com um tiro na cabeça, na noite de 1 de julho de 2021, quando passava pela avenida Lauro Monte Filho, em sua moto, em direção ao trabalho da namorada para buscá-la. A bala que matou Luan saiu de uma pistola Taurus, calibre . 40, usada pelo sargento da Polícia Militar, Márcio Gledson Dantas de Morais. Naquela noite, ele estava acompanhado de mais dois policiais, averiguando a ocorrência de assaltos naquela área. Investigações das polícias Civil e Militar apontam que, ao ver Luan passando pela avenida, o sargento – sem nenhum tipo de abordagem ou confronto – decidiu atirar em direção ao rapaz, acertando-o na parte de trás da cabeça. Caído na calçada da concessionária Toylex, Luan foi levado por outros policiais ao Hospital Regional Tarcísio Maia, onde morreu na madrugada seguinte. Acabava ali os sonhos de um jovem estudioso, trabalhador e apaixonado por motos.
Indiciado por homicídio simples nos inquéritos conduzidos pelas polícias Civil e Militar, denunciado à justiça pelo Ministério Público, tornando-se réu na justiça comum, o sargento Márcio Gledson deve ir a júri popular. Mas a data do julgamento pode demorar mais que o previsto. Os advogados de defesa do policial solicitaram à justiça uma avaliação sobre a saúde mental do acusado, dando início a um novo processo, tecnicamente chamado de incidente de sanidade mental. A justiça acatou, em abril deste ano, mas o processo só foi aberto no final do mês passado. Para a avaliação ocorrer foi dado um prazo de 45 dias. Com isso, o processo que apura a morte do estudante está suspenso temporariamente.
O pedido de avaliação foi feito pelo advogado Francisco de Assis da Silva Carvalho, no dia 30 de março deste ano. A defesa anexou laudos médicos e atestados, assinados por um psiquiatra e um neurologista, apontando diversas prescrições de remédios para conter crises de ansiedade e depressão para o sargento Márcio Gledson. Todos os documentos são de datas posteriores ao crime.
Alegando que o cliente teria sido diagnosticado com “transtorno misto ansioso depressivo” após o episódio que resultou na morte do estudante universitário, a defesa quer que a justiça investigue se, à época do fato o policial sofria de algum distúrbio psicológico que possa ter tido alguma influência na sua ação. Para o advogado da família de Luan, Hélio Miguel, não há nenhum documento nos autos do processo que aponte que, à época dos fatos, o acusado tivesse algum distúrbio como os sugeridos pela defesa.
Entre as perguntas a serem esclarecidas pela avaliação médica, conforme determinação judicial, estão as seguintes: Ao tempo da ação imputada, era o acusado portador de doença mental?; Em caso afirmativo, qual a doença mental e quais são os seus sintomas?; Essa doença o tornava inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato cuja prática lhe é imputada?; Se a resposta for sim, que o perito justifique como é compatível essa resposta com o fato de ele trabalhar como policial militar combatendo e prendendo pessoas que cometem fatos como o que está sendo julgado?
Lucas Barreto, irmão de Luan, explica que tem sido difícil acreditar que haverá justiça para o caso. “Por isso fazemos questão de não deixar o assunto cair no esquecimento. Às vezes a gente desacredita. Mas vamos continuar cobrando até que se faça justiça”, comenta. A forma fria como o irmão foi morto ainda traz sequelas no dia a dia. “É muito difícil olhar para um policial hoje em dia”, disse.
Luan era estudante do curso de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) e havia completado 23 anos no dia 5 de junho de 2021. Apaixonado por motos, era só orgulho depois de ter conseguido comprar a sua motocicleta. Foi nela que ele estava, a caminho do trabalho da namorada, quando foi parado com um tiro na cabeça. Imagens de vídeo feitas na hora do crime se espalharam pela internet e mostram duas viaturas policiais ao lado do corpo dele. No hospital, Luan ainda foi submetido a uma cirurgia na cabeça, mas morreu às 4h20m do dia 2 de julho.
PMs mentiram em depoimento
Ao chegar à Delegacia de Plantão, na noite de 1 de julho de 2021, para relatar os fatos ocorridos, o sargento Márcio Gledson mentiu nas declarações prestadas ao delegado Roberto Moura. Em seu relato, que consta no boletim de ocorrência, o policial informou que: “em diligência pela avenida Lauro Monte, encontraram uma motocicleta NXR, cor branca, caída, e ao se aproximar encontraram um homem caído próximo à motocicleta”.
O relato é o mesmo que consta no Relatório Operacional do Fiscal de Operações ao Comando do Policiamento Regional, referente ao serviço do dia 1 para o dia 2 de julho. No documento, o fiscal de operações, capitão Júlio César, relata: “que durante o serviço ordinário foi comunicado pelo sargento PM Gledson de uma ocorrência acontecida em Mossoró de um elemento que teria sido alvejado após prática de assalto e que a guarnição teria encontrado esse elemento caído no local. Por assinar como testemunha, no boletim de ocorrência, atestando as declarações do sargento Márcio Gledson, o policial Felipe Francelino de Oliveira Neto, que naquela noite era o motorista da viatura – é acusado pelo Ministério Público de “concorrer para os fatos” ocorridos naquela noite.
No relatório final do Inquérito Policial Militar (IPM) do caso, o capitão Luiz Antônio Almeida do Nascimento, designado como responsável pela apuração, enfatiza: “o argumento de que estava em patrulhamento e encontrou um elemento não condiz com a verdade dos fatos quando nos atentamos para os exames de perícias acostados nesses autos”.
Tiros partiram de uma única pistola
Os exames de comprovação balística são peças fundamentais na investigação do caso, derrubando a versão inicial apresentada na delegacia pelo acusado do crime. Os documentos apontaram que os projéteis recolhidos no corpo de Luan e no interior da concessionária Toyolex, pertencem a somente uma das três pistolas apreendidas para exame e que estavam em poder dos policiais envolvidos no caso: a pistola Taurus, calibre .40, que estava em poder do sargento Márcio Gledson. Em seu relatório, o capitão Luiz Antônio Almeida do Nascimento apontou: “Ante o exposto, afirmamos que os projéteis retirados do cadáver de Luan Carlos Melo Barreto e retirado do imóvel comercial Toyota, loja concessionária Toyolex, são da pistola Taurus, .40, que estava sendo usada pelo Sargento PM Gledson no dia 01 de junho de 2021”. De acordo com a investigação da Polícia Civil, pelo menos cinco tiros teriam sido disparados pela arma do policial.
Na conclusão do documento, o capitão aponta: “Afirmamos ter sido o sargento Gledson responsável direto pela morte de Luan Carlos Barreto. Como dito, não foi feito acompanhamento tático, com faróis da viatura alto, sirene ligada, giroflex ligado, não houve verbalização. O sargento Gledson não colocou cones para fazer o bloqueio na avenida Lauro Monte ou alguma outra intervenção tática. Ao efetuar os disparos, com sua arma, ele tinha ciência das consequências e do resultado. A pessoa de Luan não atirou nos componentes da viatura.”. Em outro trecho do relatório, o capitão acrescenta: “O sargento não estava atuando em um ambiente hostil, nem ele nem seus comandados estavam em confronto ou corriam risco de morte. A única hipótese aceitável é que a viatura estava parada em um ponto base provisório, com as luzes apagadas, luzes do giroflex e sirene desligada, e ao avistar a aproximação de uma motocicleta, ele, sargento Gledson, efetuou os disparos no piloto, vitimando a pessoa de Luan Carlos Melo Barreto, que pilotava a moto”.
O capitão Luiz Antônio Almeida do Nascimento foi designado para conduzir o Inquérito Policial Militar do caso em 5 de julho, pela Portaria SEI Nº 2672/2021. O inquérito foi concluído em outubro de 2021. O inquérito da Polícia Civil que também indiciou o sargento Márcio Gledson foi conduzido pelo delegado Marcus Vinicius dos Santos e foi concluído em agosto. O promotor Armando Lúcio Ribeiro ofereceu denúncia à justiça e é o responsável do Ministério Público pelo acompanhamento do caso.
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