Nonato Santos, diretor artístico - Foto: reprodução

A dois meses do fim do prazo, artistas cobram editais da Aldir Blanc

Por Diego Cabó — Da Agência HiperLAB/Uern

Faltando pouco mais de dois meses do prazo final para a execução da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), Estado e prefeituras do Rio Grande do Norte mostram pouco avanço na aplicação dos recursos federais destinados à cultura, o que tem deixado apreensiva a classe artística. Mossoró, a segunda maior beneficiária dos recursos no estado, acumula quase 2 milhões de reais (R$ 1.824.722,00) em conta desde o dia 5 de dezembro de 2023. Cerca de um ano depois, nenhum edital de distribuição desses recursos foi lançado. Procurado pela reportagem, o Ministério da Cultura afirmou que os valores da PNAB devem ser executados até 31 de dezembro de 2024, caso contrário, os estados e municípios perderão a verba, não havendo previsão de prorrogação.

Sancionada em 8 de julho de 2022, a Lei nº 14.399, mais conhecida como Lei Aldir Blanc 2 ou Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), é uma política nacional destinada a fomentar a atividade cultural nos próximos cinco anos em todos os estados e municípios brasileiros. A previsão é de um repasse anual de cerca de R$ 3 bilhões para o setor até 2027, com o objetivo de financiar e estimular iniciativas culturais, além de garantir a manutenção de espaços culturais e democratizar o acesso à cultura.

Para aderir ao programa, os entes federativos precisam solicitar e apresentar um plano de ação que definirá o destino dos recursos. O valor repassado pelo governo federal é distribuído entre estados e municípios, obedecendo a critérios de rateio baseados na população de cada ente e nos fundos de participação, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

De acordo com dados do Ministério da Cultura, dos 26 estados e do Distrito Federal, 21 ainda não utilizaram os recursos disponíveis. Os demais executaram menos de 15% dos valores disponibilizados pelo governo federal. A Paraíba lidera a aplicação dos recursos, com 12,06%, seguido de Goiás(7,46%), Acre (4,65%), Distrito Federal(4,43%), Rio Grande do Norte (0,39%) e Minas Gerais (0,30%).

A reportagem tentou contato com a Secretaria de Cultura de Mossoró mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. Recorremos à Lei de Acesso à Informação em 3 de setembro. A Prefeitura de Mossoró não respondeu sobre a atual situação do Plano Anual de Aplicação de Recursos (PAAR). O município descumpriu a Lei nº 12.527, que garante o direito de acesso à informação, ao não fornecer resposta dentro do prazo legal de 20 dias, prorrogável por mais 10.

O Plano Anual de Aplicação de Recursos (PAAR) do município, submetido em 23 de julho de 2024, já obteve a aprovação do Ministério da Cultura. No entanto, a verba de R$ 1.824.722, a segunda maior destinada a um município do Rio Grande do Norte, permanece indisponível, uma vez que a prefeitura ainda não publicou os editais para sua aplicação. Consequentemente, diversos produtores culturais aguardam a oportunidade de implementar seus projetos na cidade.

Em relação aos estados, o governo do Rio Grande do Norte recebeu R$ 29.615.770,04 da PNAB em 14 de dezembro de 2023. O valor, aplicado em um fundo de investimento do Banco do Brasil, gerou um acréscimo de R$ 1.665.248,89 em rendimentos até a data desta reportagem, totalizando R$ 31.350.127,77 No entanto, apenas R$ 123.869,88 foram utilizados na execução do programa, o que corresponde a apenas 0,39% do total.

Em 8 de agosto, a Secretaria Estadual de Cultura anunciou a submissão do PAAR ao Ministério da Cultura. Segundo a secretaria, mais de 21 editais serão lançados ao longo do ano; no entanto, até o momento, nenhum deles foi divulgado. A reportagem procurou a SECULT para comentar sobre o assunto, mas não obteve retorno.

Baixa execução em todo o RN

Afalta de aplicação dos recursos também se manifesta em nível municipal. Dos R$ 26.946.298 destinados às prefeituras do Rio Grande do Norte, apenas R$ 1.162.503 foram utilizados até o momento. Dos 167 municípios do estado, apenas 51 utilizaram parte ou a totalidade dos recursos; os demais 116 ainda não aplicaram os valores, que permanecem em contas do Banco do Brasil. Entre os municípios que já iniciaram a aplicação dos recursos, apenas Patu utilizou a totalidade do valor disponibilizado pelo governo federal, seguido por:

Senador Elói de Souza (99,98%), São Tomé (99,95%), Lagoa de Pedras (99,95%),São Rafael (99,88%), Rio do Fogo (99,64%), Montanhas (99,61%), Serra Negra do Norte (99,35%), Lagoa d’Anta (96,78%), Passagem (96,26%), São José do Seridó (96,16%), Sítio Novo (96%), Carnaúba dos Dantas (95,75%), Japi (95,61%), Tibau (93,84%), Jardim de Piranhas (92,75%), João Dias (89,63%), Timbaúba dos Batistas (89,13%), Grossos (82,11%), São Miguel (82%), Alexandria (74,62%), Frutuoso Gomes (63,36%), Bom Jesus (63,16%), Campo Redondo (61,07%), Ipanguaçu (52,78%), João Câmara (50,24%), Pedro Velho (48,84%), Francisco Dantas (48,40%), Tangará (48,15%), Natal (46,39%), Messias Targino (45,30%), São João do Sabugi (44,47%), Major Sales (38,75%), Pureza (36,40%) Tenente Ananias (35,82%), Extremoz (35,49%) Jardim do Seridó (32,98%), Pedra Preta (28,97%), Pau dos Ferros (27,96%), Riachuelo (27,90%), Doutor Severiano (27,51%), Monte Alegre (27,42%), Luís Gomes (27,02%), Touros (24,74%) Guamaré (23,22%), Marcelino Vieira (20,41%), Mossoró* (6,67%), Olho-D’água do Borges (4,79%), Almino Afonso (4,79%), São José de Mipibu (2,83%) e Ceará-Mirim (0,39%).

É importante ressaltar que, de acordo com os dados do portal governamental Fundo a Fundo, parte dos recursos destinados ao Município de Mossoró foi bloqueada judicialmente. Por isso, o valor disponibilizado pelo Ministério da Cultura pode não corresponder ao valor efetivamente utilizado pelo município.

Desses municípios, Natal foi o que recebeu o maior aporte de recursos, R$ 5.399.779,00 (Valor utilizado: 46,39%) seguido de:

2º — Mossoró (R$ 1.824.732,00) — Valor utilizado: 6,67%

3º — Parnamirim (R$ 1.754.755,00) — Valor utilizado: 0,00%

4º — São Gonçalo do Amarante (R$ 826.513,00) — Valor utilizado: 0,00%

5º — Macaíba (R$ 602.876,00) — Valor utilizado: 0,00%

6º — Ceará-Mirim (R$ 576.186,00) — Valor utilizado: 0,39%

7º — Extremoz (R$ 464.264,00) — Valor utilizado: 35,49%

8º — Caicó (R$ R$ 461.756,00) — Valor utilizado: 0,00%

9º — Açu (R$ 425.941,00) — Valor utilizado: 0,00%

10º — São José de Mipibu (R$ 363.151,00) — Valor utilizado: 2,83%

A relação completa pode ser consultada a partir do site: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/pnab/painel-de-dados-pnab

Ainda de acordo com os dados disponibilizados pelo Ministério, apenas 159 municípios enviaram o Plano Anual de Aplicação dos Recursos (PAAR), e 120 enviaram o Relatório de Gestão.

Artistas cobram agilidade

Palco de espetáculos tradicionais ao longo do ano, Mossoró corre o risco de perder quase dois milhões de reais em recursos federais destinados ao fomento da cultura local, em virtude da morosidade da administração pública.

Fundamental para a elaboração do Plano Anual de Aplicação de Recursos (PAAR), a escuta pública realizada no dia 21 de maio na Biblioteca Municipal Ney Pontes Duarte resultou na aprovação das alterações sugeridas pela comunidade quanto à destinação dos recursos. Com base nas sugestões recebidas, o Município apresentou as seguintes propostas:

Ações Gerais no valor de R$ 1.373.698,66, sendo: R$ 68.427,45 para custos operacionais, R$ 1.000.000,00 para fomento cultural e R$ 300.000,00 para obras, reformas e aquisição de bens culturais. O município destinou ainda R$ 456.304,62 para a implementação da Política Nacional de Cultura Viva (Lei Nº 13.018/2014), com o objetivo de fomentar as redes de Pontos de Cultura por meio de Termos de Compromisso Cultural e prêmios, além da concessão de bolsas para Agentes de Cultura Viva.

Para Nonato Santos, diretor artístico da Cia Escarcéu de Teatro, que trabalha com produção cultural há mais de 50 anos, os recursos da PNAB são de suma importância, tanto para impulsionar a produção artística local quanto para garantir a sobrevivência de diversos grupos. ‘’É uma política necessária para que os grupos continuem a fazer suas produções. Muitos grupos, sem esses editais, não conseguem produzir’’, afirmou. De acordo com ele, além dos altos custos de produção e do retorno financeiro limitado à bilheteria, que não é suficiente para recuperar os investimentos, os próprios espaços disponíveis para essas produções cobram valores inacessíveis para boa parte dos produtores culturais.

Nonato Santos, diretor artístico da Cia Escarcéu de Teatro

Nonato também critica os valores disponibilizados nos editais. Os recursos sempre são abaixo do que precisamos para produzir nossos espetáculos”, afirma. Além disso, a burocratização de todo o processo impede o acesso dos pequenos produtores a esses recursos. Eles tratam todo mundo como se fossem grandes empresas. Como se nós, artistas independentes ou grupos pequenos, tivéssemos contador, advogado, enfim, toda uma equipe que as grandes empresas dispõem. É uma prestação de contas muito burocratizada, a começar pelo edital. São muitos documentos que você precisa apresentar para concorrer. E quando você, porventura, é contemplado, tem outra quantidade de documentos que você precisa enviar”, desabafa.

Para ele, o atraso na publicação de editais como o da PNAB afeta diretamente a execução dos projetos. “Você deixa de executar projetos que, na sua grande maioria, têm prazo para acontecer. Às vezes, são projetos pensados para determinadas épocas do ano, porque vão atender a um determinado público e a uma determinada demanda, e você acaba sendo atropelado pelo descaso”, conclui.

Diêgo Cabó é estudante do 3º período do curso de Jornalismo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern). Reportagem produzida para a Agência HiperLAB de Reportagem, ação de extensão do curso de Jornalismo da Uern.

Coordenação: Professor Esdras Marchezan.

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Saulo Vale

É formado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela UERN. Apresentador do Jornal da Tarde, Rádio Rural de Mossoró, e do Enfoque Político, Super TV. É também correspondente de política das rádios da capital e do interior, como 97 FM de Natal, 91 FM de Natal e Rádio Cabugi do Seridó.

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